As Redes Sociais e a Midiatização da Vida Privada
Written by: Bruna Lima
Hey! Como vocês estão por aí?
Quando foi que a gente começou a compartilhar tanta coisa da nossa vida pessoal online? Parece que foi ontem que o Orkut liberou postar mais de 12 fotos na galeria, ou que minha mãe dizia para não colocar meu nome real “nessa tal de internet”. Mas a verdade é que, de lá para cá, muita coisa mudou. Nos últimos 30 anos, nós assistimos a uma verdadeira revolução na maneira de se comunicar e compartilhar informações, e as redes sociais se tornaram ferramentas imprescindíveis para a comunicação pessoal e comercial.
Segundo pesquisa realizada pelo banco internacional de estatística Statista, 62,2% da população mundial já possui acesso às redes sociais em 2024. A Europa Setentrional e Ocidental têm a maior taxa de usuários, seguida pela Ásia Oriental e Europa Meridional. As principais redes sociais usadas no mundo hoje são o Facebook, YouTube, Instagram, WhatsApp e TikTok. No Brasil, são 159 milhões de pessoas acessando as redes sociais diariamente, ficando conectadas em média por quatro horas e oito minutos.
Se antigamente eu precisava esperar meus pais irem para a cama para ligar a internet discada sem ocupar a linha telefônica, hoje nós estamos conectados 24 horas por dia, 7 dias por semana, e isso alterou completamente como nos relacionamos uns com os outros. Pessoas compartilham suas informações pessoais voluntariamente, desde refeições diárias até eventos de vida significativos.
Na intimidade das suas casas, celebridades, influencers e pessoas anônimas revelam aspectos da vida privada que antes eram mantidos longe dos olhos públicos. As redes sociais desafiaram as barreiras entre o público e privado, criando um espaço virtual em que ambos coexistem. Nesse sentido, questionamentos importantes vêm à tona: O que nos leva a renunciar nossa privacidade? Como isso está afetando o nosso comportamento e a nossa saúde mental? Quais são os limites da exposição no mundo digital?
Um Breve Histórico das Redes Sociais
A história das redes sociais começa com o desenvolvimento da ARPANET em 1969, um projeto do Departamento de Defesa dos EUA. A ARPANET permitiu a interconexão de múltiplos computadores em diferentes locais e estabeleceu as bases para a criação da internet, que viria a se tornar o pilar central de todas as redes sociais futuras. Dois anos depois, Ray Tomlinson enviou o primeiro e-mail, utilizando o símbolo “@” para separar o nome do usuário do nome do computador. Esse avanço permitiu a troca rápida de mensagens de texto entre computadores conectados. A criação da World Wide Web em 1989 por Tim Berners-Lee revolucionou a maneira como acessamos e compartilhamos informações, introduzindo conceitos de link e navegação na web.
Nos anos 90 e início dos anos 2000, várias redes sociais pioneiras surgiram, cada uma contribuindo de maneira significativa para o desenvolvimento do cenário atual. Em 1995, o Classmates.com foi lançado para ajudar usuários a se reconectar com antigos colegas de escola. Em 2003, o LinkedIn foi fundado para criar conexões profissionais, facilitando networking e oportunidades de emprego. O ano de 2004 foi marcante com o lançamento do Facebook por Mark Zuckerberg e do Orkut por Orkut Buyukkokten, ambos transformando a maneira como as pessoas se conectam e interagem online. Em 2005, o YouTube foi criado, revolucionando o mercado de entretenimento e comunicação.
As redes sociais continuaram a evoluir rapidamente com o lançamento do Twitter em 2006, que introduziu o conceito de microblogging, e do Tumblr em 2007, que permitia a postagem de conteúdo multimídia em blogs curtos e personalizados. Em 2009, o WhatsApp simplificou a troca de mensagens instantâneas e mudou completamente a nossa comunicação pessoal. O ano de 2010 trouxe o lançamento do Instagram e do Pinterest, focados em conteúdo visual e permitindo o compartilhamento de fotos e vídeos com facilidade.
Em 2011, surgiu o Snapchat, criado por Evan Spiegel, Bobby Murphy e Reggie Brown, que popularizou a ideia de mensagens que desaparecem após serem visualizadas. Esta característica incentivou a comunicação mais espontânea e efêmera. Em 2012, o Facebook adquiriu o Instagram por cerca de 1 bilhão de dólares. Essa aquisição foi estratégica para o Facebook, que buscava fortalecer sua presença no mercado de redes sociais visuais. Em 2016, o Instagram introduziu os Stories, um recurso claramente inspirado no Snapchat, permitindo que os usuários postassem fotos e vídeos que desapareciam após 24 horas. Esse movimento foi crucial para manter a competitividade e relevância do Instagram no cenário das redes sociais.
Em 2016, o TikTok trouxe uma nova dimensão às redes sociais com seus vídeos curtos e ferramentas de edição simplificadas, se tornando uma das plataformas de crescimento mais rápido na história e a marca de rede social mais valiosa do mundo (FORBES, 2023). Diante do sucesso do TikTok, o Instagram lançou o Reels em 2020, permitindo aos usuários criar e compartilhar vídeos curtos com música, efeitos e ferramentas de edição similares. Além disso, o Facebook e o Instagram ajustaram seus algoritmos para priorizar conteúdo de vídeo, incentivando a criação e o consumo de vídeos curtos nas plataformas. Essas mudanças demonstraram a capacidade das empresas de se adaptar às novas tendências e manter sua posição de destaque no competitivo mercado das redes sociais.
O Processo de Midiatização
O processo de midiatização refere-se à crescente influência dos meios de comunicação na sociedade, transformando como interagimos, nos comunicamos e compreendemos o mundo ao nosso redor. Segundo Hjarvard (2012) “o conceito-chave para a compreensão da influência da mídia na cultura e na sociedade é a midiatização”, que pode ser conceituada como: o processo pelo qual a sociedade, em um grau cada vez maior, está submetida a ou torna-se dependente da mídia e de sua lógica […] A lógica da mídia influencia a forma que a comunicação adquire […] também influencia a natureza e a função das relações sociais, bem como os emissores, o conteúdo e os receptores da comunicação. Este fenômeno, que se intensificou nas últimas décadas, é caracterizado pela presença predominante da mídia em quase todos os aspectos da vida cotidiana. A midiatização não é apenas um processo técnico, mas também social e cultural, que redefine as relações humanas e a dinâmica social.
Público x Privado
Os conceitos de público e privado vêm evoluindo significativamente ao longo dos séculos, com suas definições variando conforme as épocas e culturas. Segundo Richard Sennett (2014), nos primórdios, “público” era sinônimo de bem comum, algo que está aberto à observação geral. Enquanto “privado” estava relacionado ao sentido de “privilégio”. Segundo Sibilia (2008),
“[…] a separação entre o público e privado é uma invenção histórica e datada, uma convenção que em outras culturas não existe ou se configura de outras formas. Inclusive entre nós, essa distinção é bastante recente: a esfera da privacidade só ganhou consistência na Europa dos séculos XVIII e XIX, ecoando o desenvolvimento das sociedades industriais que um certo espaço de refúgio para o indivíduo e a família nuclear começou a ser criado, no seio do mundo burguês, fornecendo a esses novos sujeitos aquilo que tanto almejavam: um território a salvo das exigências e dos perigos do meio público, aquele espaço “exterior” que começava a ganhar um tom cada vez mais ameaçador”.
O surgimento da vida cosmopolita e a ascensão dos cafés em Londres e Paris no século XVIII foram propulsores dessa transformação. Nesses locais, as pessoas ficavam sabendo das notícias mais importantes e experimentavam a sociabilidade sem revelar aspectos íntimos e pessoais. (MARTINUZZO; SANGALLI, 2015). Foi nesse período que o conceito de “privado” começou a se solidificar como algo íntimo, reservado para a família e amigos próximos.
Com o surgimento das redes sociais, os limites entre público e privado vêm ficando cada vez mais tênues. Para Sibilia (2008), a falta de segurança presente nos espaços públicos faz com que as pessoas se isolem e, protegidas no interior de suas casas, busquem por refúgios virtuais, compartilhando aspectos íntimos da própria vida doméstica. A autora afirma que o “fascínio suscitado pelo exibicionismo e pelo voyeurismo encontra terreno fértil em uma sociedade atomizada por um individualismo com beiradas narcisistas, que precisa ver sua imagem refletida no olhar alheio para ser” (SIBILIA, 2008).
Quem é Você no Metaverso?
O espaço digital oferece a liberdade de moldar avatares perfeitos, representações idealizadas que estão muitas vezes longe da realidade cotidiana. Nesse ambiente, é possível encarnar a nossa melhor versão. As redes sociais, como Facebook, Instagram e em breve o metaverso, proporcionam um palco para essas performances identitárias. O eu é constantemente editado e aperfeiçoado, apresentando ao mundo uma versão cuidadosamente construída. Contudo, essa versão digital não é apenas uma máscara, mas um reflexo das múltiplas identidades que assumimos. Stuart Hall argumenta que, na pós-modernidade, a identidade é fluida, multifacetada e está em constante transformação. Não somos mais definidos por uma única identidade, mas por várias, que se adaptam e mudam conforme nossas interações sociais e culturais (HALL, 1997).
Essa construção contínua de identidades virtuais pode ter implicações profundas em nossa psicologia e em como nos relacionamos com o mundo ao nosso redor. A internet se torna espaço onde a autenticidade é frequentemente sacrificada em prol de uma imagem pública mais atraente. E quanto mais nós imergimos nessas realidades digitais, mais perdemos o contato com nossas verdadeiras essências. Segundo Bauman (2001), a identidade, que antes era algo fixo e dado, agora é um projeto em constante construção, onde o real e o virtual se entrelaçam de formas complexas e, por vezes, conflitantes.
A Superexposição e Seus Efeitos
Hoje, milhões de pessoas compartilham seu dia-a-dia online. A superexposição refere-se ao ato de compartilhar excessivamente informações pessoais e detalhes da vida cotidiana nas redes sociais. Isso é tão comum que já nem paramos para pensar nos impactos desse comportamento. Apesar de parecer inofensiva, a superexposição pode desencadear uma série de eventos que podem ser prejudiciais à saúde mental, além de oferecer riscos à segurança pessoal.
A busca incessante por aprovação, por meio de curtidas e comentários, é um dos efeitos mais prejudiciais. Isso cria um ciclo vicioso de validação externa, onde a ausência de feedback positivo pode levar à ansiedade e à baixa autoestima. A fobia social é outra consequência significativa. A exposição excessiva nas redes sociais pode dificultar o convívio social e a interação em ambientes reais, resultando em um isolamento cada vez maior. A constante necessidade de validação virtual substitui interações sociais genuínas, afetando o desenvolvimento de habilidades socioemocionais (UNIMED CAMPINAS, 2024).
Depois que um conteúdo é publicado online, seu autor perde o controle sobre ele, podendo se tornar um verdadeiro problema, principalmente em casos de conteúdos virais, embaraçosos ou até mesmo sexuais. Alguns casos de cyberbullying podem resultar em humilhações públicas e danos psicológicos duradouros (UNIMED CAMPINAS, 2024).
Além dos efeitos psicológicos, a superexposição também coloca em risco a segurança pessoal. Criminosos podem utilizar as informações compartilhadas para planejar ações ilícitas, como furtos e sequestros. A divulgação excessiva de dados pessoais abre portas para o roubo de identidade e golpes cibernéticos, onde links maliciosos e perfis falsos são ferramentas comuns utilizadas por hackers. A falsa sensação de segurança ao compartilhar detalhes íntimos pode resultar em graves consequências, incluindo a perda de privacidade e a exposição a ameaças online (HOTMART, 2023).
Conclusão
As redes sociais revolucionaram a forma com a qual nos comunicamos, mas também provocaram mudanças significativas no padrão de comportamento humano. Os limites entre público e privado ficam cada vez mais turvos, e muitas vezes a gente não percebe que isso pode colocar a nossa saúde e segurança em risco.
Por que será que compartilhamos tanto? Será a necessidade de nos sentirmos conectados, ou talvez a busca desesperada por validação? Seja o que for. Fato é que isso muitas vezes supera a necessidade de privacidade. Parar para refletir sobre os motivos que nos levam a compartilhar tanto pode ser desconfortável, mas é necessário. Será que estamos realmente nos conectando com os outros ou apenas buscando validação constante? Essa busca incessante por likes e seguidores não seria, no fundo, uma forma moderna de solidão, onde a quantidade de conexões substitui a qualidade das interações? Será que estamos prontos para lidar com as consequências da superexposição? Ansiedade, depressão, baixa autoestima são só alguns dos efeitos colaterais de viver nossas vidas em uma vitrine digital. Isso nos afeta de maneiras que ainda estamos começando a entender.
A pressão para manter uma imagem perfeita online é esmagadora e, muitas vezes, desconectada da realidade. Precisamos urgentemente repensar como usamos as redes sociais, antes que a busca pela perfeição digital destrua nosso bem-estar real. Com o avanço do metaverso e outras tecnologias, nossa imersão no mundo digital só tende a aumentar. Vamos continuar sacrificando nossa autenticidade e sanidade em troca de curtidas e seguidores? Ou será que conseguiremos encontrar um equilíbrio saudável entre a exposição e a privacidade?
Então, da próxima vez que você estiver prestes a compartilhar aquele momento pessoal, pare e pense: isso realmente precisa estar online?
REFERÊNCIAS:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2001.
BBC. Sala social. Acesso em: 17 jul. 2024.
BBC. Qual é o impacto negativo das redes sociais na nossa saúde mental?. Acesso em: 17 jul. 2024.
Dhingra, Manish e Mudgal, Rakesh K. Historical Evolution of Social Media: An Overview. International
Conference on Advances in Engineering Science Management & Technology (ICAESMT) – 2019, Uttaranchal University, Dehradun, India, 15 mar. 2019. Acesso em: 17 jul. 2024.
FORBES. TikTok é a marca de rede social mais valiosa do mundo em 2023. Acesso em: 17 jul. 2024.
GQ. Excessos da vida digital: Selfie perfeita pode causar dismorfia Instagram. Acesso em: 17 jul. 2024.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.
HJARVARD, Stig. The Mediatization of Culture and Society. Londres: Routledge, 2012.
HOTMART. Quais são os efeitos da superexposição nas redes sociais?. Acesso em: 17 jul. 2024.
MARTINUZZO, José Antonio; SANGALLI, Heryck Luiz Jacob. A intimidade em tempos de rede social digital – O Facebook e a midiatização do íntimo. ECCOM, v. 6, n. 12, jul./dez. 2015. Acesso em: 15 jul. 2024.
MINHA VIDA. Acesso em: 17 jul. 2024.
NÓBREGA, Lívia de Pádua. A construção de identidades nas redes sociais. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 20, n. 1/2, p. 95-102, jan./fev. 2010. Acesso em: 17 jul. 2024.
PORTAL INTERCOM. A intimidade em tempos de rede social digital. Acesso em: 17 jul. 2024.
SIBILIA, Paula. O show do eu – a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
STATISTA. Global social networks ranked by number of users. Acesso em: 17 jul. 2024.
STATISTA. Social network penetration by region. Acesso em: 17 jul. 2024.
THE WEEK. TikTok brain and attention spans. Acesso em: 17 jul. 2024.
UNIMED CAMPINAS. Qual é o impacto negativo das redes sociais na nossa saúde mental?. Acesso em: 17 jul. 2024.