Sobre valores: o que é inegociável, quando [quase] tudo está à venda?

[Foto por EyeEm]

Negociamos.
Negociamos prazos, afetos, pausas, ideias.
Negociamos com a agenda, com a ansiedade, com o algoritmo que dita quando devemos falar e quanto devemos parecer felizes. Negociamos até com aquilo que juramos defender.

Em tempos de modernidade líquida, tudo pode ser flexibilizado: o horário, a moral, a opinião, o valor.

Ser adaptável virou elogio. Ser coerente, quase teimosia. Mas se tudo é tão maleável, a grande questão é: o que ainda se sustenta em pé?

Vivemos em um tempo onde a liberdade de escolha virou obrigação de performar. A cada manhã, acordamos convocados a nos tornar versões otimizadas de nós mesmos.

Nessa dinâmica frenética de mostrar valor, é quase impossível pararmos para nos perguntarmos: qual valor não se vende? Qual não se edita? Qual não se troca por um KPI?

A psicanálise nos ensina que há coisas que só existem porque estabelecemos limites.

Um corpo, sem os ossos que o sustentam, é só uma massa mole.

No universo das marcas, sem o que é inegociável, elas não passam de design sem propósito, uma entre outras tantas que tentam dizer alguma coisa, mas sem a coragem de sustentar o silêncio entre uma palavra e outra.


A era do valor performático

Basta um passeio por discursos institucionais, apresentações de marca ou perfis no LinkedIn para notar: nunca se falou tanto sobre valores. 

Inovação. Autoridade. Transformação. Diversidade. Coragem. Cuidado.

Todos eles desfilam como palavras mágicas, prontos para gerar conexão imediata e diferenciar uma marca em um mar de mesmice.

O problema é que muitos desses valores, na prática, não passam de atributos mal disfarçados.

“Cuidado”, sendo usado apenas para suavizar o tom de uma campanha.

“Coragem”, que serve só pra dar brilho a uma ação publicitária que não arrisca nada de verdade.

“Diversidade”, aplicada ao casting, mas não às posições de poder ou à cultura das empresas.

Valor performático é isso: aquele que a marca veste para ser vista, mas tira assim que ninguém está olhando.

[Foto por EyeEm]


Enquanto isso, os valores que de fato atuam no cotidiano da organização, aqueles que moldam decisões, rituais, contratações e demissões, muitas vezes nem são ditos. Vivem no subsolo da cultura, criando uma hierarquia invisível que comanda sem assumir protagonismo.

É aí que começa o ruído entre o que se diz… e o que se é.

Por muito tempo, bastava dizer. Somos humanos, sustentáveis, apoiamos a diversidade, temos um propósito claro, nos importamos com o mundo e com as pessoas que vivem nele. 

Apenas o discurso bem embalado, fazia sua mágica. Bastava soar bonito, plausível e, de preferência, viralizável.

Mas esse tempo passou. Hoje, as pessoas querem ver, sentir, testar. O consumidor não está mais disposto a engolir valores recortados em letras garrafais que não encontram eco nas entrelinhas.

Segundo a previsão da WGSN para o Consumidor do Futuro, as emoções estão se tornando fator-chave nas escolhas que fazemos, desde o que compramos até as marcas com as quais nos permitimos engajar.

Esse movimento ganha força em uma era marcada por solidão crônica, estresse constante e a crescente presença de inteligências artificiais em todas as esferas da vida. Em meio à desumanização e ao ceticismo digital, cresce o desejo por experiências que ofereçam algo raro: conexão, presença e alegria.

Não à toa, muitos se sentem exaustos física e emocionalmente.

A produtividade virou uma forma de vigilância. O excesso de positividade virou cobrança. Como já foi descrito, vivemos numa sociedade onde o sujeito quer ser exclusivo [mesmo que isso seja, hoje, também uma estratégia de massa, veja sobre o conceito de VVIPVery Very Important Person] e se explora até o esgotamento, sorrindo enquanto afunda.

Nesse cenário, não basta parecer do bem: é preciso sustentar a coerência, mesmo nas zonas de atrito, até porque hoje, enquanto consumidores e pessoas pensantes, procuramos mais do que admiração, buscamos o alívio de saber que, entre tanto discurso, ainda existem marcas que vivem aquilo que dizem defender.

É nesse ponto que a investigação precisa deixar o campo do discurso e entrar no território da estrutura. 


Existe uma forma de definir o que é inegociável?

Nomear valores exige mais do que criatividade, exige método. 

Nem todo valor que aparece numa reunião de planejamento sustenta decisões difíceis e, são esses valores que estão na base daquilo que queremos construir e aos quais recorremos quando algo desmorona que, de fato, são inegociáveis.

Identificar esses valores e organizá-los em uma hierarquia que faça realmente sentido, no entanto não é simples. 

  • Alguns são só performáticos: estão ali para sinalizar intenção.
  • Outros são periféricos: orbitam a cultura sem interferir nela de verdade.
  • Também aqueles que são referenciais: aqueles que inspiram, mas não necessariamente moldam o jeito de ser da marca.

A clareza só vem quando é possível identificar os valores fundantes, aqueles que  realmente estruturam o comportamento, e também, os aspiracionais, aqueles que precisam ser cultivados com intenção.

Sim, sim, um papo meio complexo e que, na prática, pode nos deixar meio desnorteados pois se trata de uma definição menos tangível e mais inconsciente, no sentido de exigir uma percepção do SER e não do FAZER.

Foi justamente dessa distância entre o que se diz e o que se faz que surgiu a Vallo – Valores de Marca.

[Cards da ferramenta Vallo – Valores de marca]


Desenvolvemos essa ferramenta a partir de um estudo com as 100 marcas mais valiosas do mundo lá em 2020, com o objetivo de entender quais valores estruturam sua comunicação e suas ações.

A análise começou pelas narrativas dessas marcas: discursos institucionais, campanhas promocionais, manuais de identidade e uma gama de variáveis entre elas. A partir daí, foram identificadas palavras e padrões simbólicos que se repetiam, mas para além da recorrência, havia uma pergunta central: o que tudo isso diz sobre o que essas marcas realmente valorizam?

A resposta veio quando o estudo cruzou discurso e prática. 

Ao observar quais ações eram promovidas e sustentadas ao longo do tempo, foram reveladas 9 dimensões simbólicas que agrupam valores recorrentes entre as marcas analisadas. Esse estudo estruturou a base da Vallo.

[Representação visual das 9 dimensões de valores que estruturam a ferramenta Vallo – Valores de marca]


Estrutura simbólica, não estética de marca

A Vallo é composta por 90 cartas organizadas em 9 pilares estratégicos, acompanhadas por um material de apoio que aprofunda a leitura simbólica de cada valor.

Mas, veja bem, não vamos criar aqui o ideal de salvadora da pátria, a proposta da Vallo, enquanto ferramenta, nunca foi inventar um novo jeito de falar sobre valores e sim, ajudar equipes de branding, cultura, liderança ou comunicação, a organizar o que já está presente e, com isso, oferecer um ponto de partida para investigar, diagnosticar contradições, validar regras de conduta e fazer escolhas com mais consistência.

[Cards Vallo – Valores de marca]


É, acima de tudo, uma demonstração de que valores não são estética, são estrutura.

A partir dessa compreensão que podemos decidir, com lucidez, o que realmente vale a pena manter, mesmo quando custa.


Nem sempre é sobre conquistar

Toda marca, assim como toda pessoa, em algum momento precisa escolher. Não o que dizer, mas o que sustentar quando a decisão pesa, o contexto aperta e o risco de perder é real.

Valor, quando não implica em renúncia, ainda é discurso.

A diferença entre parecer e ser não está no branding, nem no tom de voz. Está no que uma organização está disposta a preservar, mesmo quando isso contraria a lógica da conveniência.

No fim das contas, o verdadeiro valor de uma marca provavelmente está menos no que ela conquista e mais naquilo que ela escolhe não negociar.

É a consciência disso que muda tudo.

Se você está pronto para descobrir mais sobre os valores que sustentam suas escolhas, a Vallo pode ser um bom ponto de partida.


Acesse a Lojinha Feia e conheça a Vallo e outras ferramentas do The Ugly Lab 😉