Roube como um IArtista

Written by Felipe Perobeli: Mentor de inovação e design de serviços para novos negócios e empresas de tecnologia. Há mais de 10 anos desenvolvendo e lançando novos produtos para sustentar seus gatos (sim, gatos, não “gastos”).

Esse é um texto que pode parecer um pouco indigesto para as pessoas da área de comunicação. Em especial àqueles que trabalham com design e ilustração, mas essa discussão é necessária. Enquanto há movimentos contra as IAs (com certa razão), precisamos falar sobre os benefícios e refletir que não é uma guerra que pode ser vencida ou adiada.

Artistas contra IAs: A Origem

Embora não seja possível dizer com certeza quando foi que os artistas começaram a se preocupar com as IAs, podemos dizer que o grande estopim da discussão surgiu em meados de dezembro de 2022, quando a primeira página da plataforma ArtStation (uma das maiores plataformas de arte e design da internet) foi tomada por imagens em protesto contra o uso dessas ferramentas.

O grande motivo da revolta começou um pouco antes, quando um artista Búlgaro chamado Alexander Nanitchkov fez uma publicação no antigo twitter, agora X, denunciando que as artes criadas por inteligência artificial estariam roubando ilustrações e imagens de milhares de pessoas e as utilizando como base para o desenvolvimento de novos algoritmos de IA generativa.

Não demorou muito para que essa denúncia se espalhasse como fogo pela internet e surgissem novos ataques. Ainda em dezembro, o artista Dan Eder publicou, na mesma plataforma, estar entristecido pelo fato de artes criadas por IAs dividirem a mesma página do ArtStation com ilustrações criadas por pessoas de verdade.

Mas será que Nanitchkov, Dan Eder e todos aqueles que protestaram na plataforma ArtStation estavam certos com essa preocupação? As IAs estariam mesmo roubando artes para se aperfeiçoar?

Machine Learning & Human Learning

Sabemos como os humanos aprendem, correto? Bem, é bastante simples: Primeiro você precisa de um determinado tópico a ser estudado e, em algum tempo com a dedicação correta, você estará dominando o assunto.

A criatividade humana surge a partir do aprendizado e da nossa capacidade de relacionar novos temas. Tudo o que aprendemos, vivemos e experimentamos é acrescido à nossa bagagem de forma que, em algum momento, iremos produzir algo a partir disso.

Se você é um ilustrador amador tentando se profissionalizar, a primeira coisa que irá fazer é buscar referências, imitar estilos até ser capaz de desenvolver o seu próprio, que, no fim, será uma grande mistura de tudo o que você viu, viveu e aprendeu.

O problema é que as pessoas criaram um mito de que a criatividade não pode ser aprendida ou copiada por uma máquina e, até pouco tempo atrás, muitos profissionais considerados criativos estavam debochando dos demais dizendo “eu jamais serei substituído por uma IA”.

E agora fomos surpreendidos pelo fato de que, sim, máquinas podem aprender assim como nós! Criando relações entre assuntos armazenados em bancos de dados, elas são capazes de observar ilustrações, ler livros e poemas,  interpretar notas musicais e produzir as suas próprias versões de cada uma dessas coisas. A este fenômeno damos o nome, bastante literal, de “aprendizado de máquina”.

Por que pessoas aprendendo a partir da observação e experimentação são consideradas autodidatas e quando máquinas fazem isso são chamadas de ladras? A verdade é que máquinas não estão roubando arte, elas estão aprendendo com ela e se, quando por alguma imperfeição em seu código, elas acabam copiando de forma idêntica uma das milhares de ilustrações em seus bancos de dados, pode ter certeza que não estão fazendo isso por maldade. Humanos sim.

Ai won’t replace people – but people who use AI will replace people who don’t 

IBM

Utilização ética de IAs 

Não é necessário tomar um lado nessa guerra mas, se tomar, eu entendo que seja o lado dos humanos. Uma realidade precisa ser encarada: As IAs não vão embora, elas tornam a vida mais fácil, possibilitam novas modalidades de interação e tornam acessível aquilo que muitos só poderiam desejar.

Inovação democrática

Segundo Eric Von Hipel, economista americano e professor do MIT, a inovação democrática acontece quando os próprios usuários de um produto ou serviço projetam melhorias em vez de depender que empresas façam isso por eles.

Por mais que nas últimas décadas as empresas tenham compreendido a importância de ouvir as vozes de seus consumidores, o desafio ainda reside em monetizar esses feedbacks e transformá-los em ideias tangíveis e executáveis.

Então de um lado sabemos que os consumidores de um serviço são o melhor caminho para resolver um problema, por outro lado as companhias não conseguem tirar as ideias do papel porque as pessoas não são tecnicamente capazes de demonstrar o que precisam.

De acordo com profissionais de inovação, em um artigo para a Harvard Business Review, as IAs generativas são a peça que faltava para capacitar pessoas comuns a produzir inovação. É a isso que Eric se refere quando fala sobre democratização. As IAs permitem que pessoas sem histórico técnico desenvolvam ideias de forma muito mais simples e entreguem projetos mais coerentes e tecnicamente possíveis através de poucas linhas de comando.

Ego-capitalismo

A parte mais dolorosa dessa discussão é ver que a revolta dos artistas baseia-se fundamentalmente em um sentimento egoísta de “substituição” e ignoram os benefícios democráticos do uso de inteligência artificial. Pessoas que jamais teriam os recursos necessários para contratar um ilustrador ou designer agora são capazes de produzir seus próprios projetos, traduzir suas ideias e criar.

As IAs não são as vilãs. O acesso à tecnologia deve ser permitido a todos e não restrito àqueles que podem pagar. Pode parecer um pouco cedo para dizer isso, mas estamos dando o primeiro passo para entrar na primeira Era Dourada da humanidade.

As pessoas só precisam entender o seu papel e como se capacitar para não fazer parte do grupo de pessoas não empregáveis daqui 30 anos.

Como se aliar às IAs

A razão não mora nos extremos, as IAs podem ser aliadas de artistas e designers durante o processo criativo. O resultado final não precisa ser totalmente feito por um robô, mas existem diversas formas de utilizar estas ferramentas para melhorar e acelerar seus resultados nas diferentes etapas de um projeto.

Pensando em um projeto de design visual há, pelo menos, três etapas onde as IAs trazem uma enorme economia de tempo e auxiliam no enriquecimento de ideias e entregáveis.

01 Coleta de Dados

Antes de iniciar qualquer projeto é fundamental investigar o problema através de um briefing e uma minuciosa pesquisa sobre o tema abordado. IAs como Chat GPT-4 e Microsoft Copilot são excelentes para fazer pesquisas de informações específicas e até mesmo interpretação de briefings.

Basta enviar o link de onde estão as respostas do seu briefing ou de algum PDF que queira que ele interprete e pedir para resumir as informações ou traduzi-las em conceitos aplicáveis no tipo de projeto que está fazendo. Importante dizer que é necessário utilizar uma IA com acesso à internet como o GPT4.

02 Referências

Artes conceituais e painéis semânticos podem ser desafiadores de criar quando precisamos buscar referências precisas de estilos visuais e conceitos estéticos específicos. Com o uso de IAs generativas como Copilot, Leonardo AI e Midjourney é possível criar suas próprias referências através de prompts para gerar texturas, ícones, ilustrações ou imagens de um determinado tema.

Um exemplo de utilização recente: Logo para uma pizzaria e fast food inspirada na rota 66 e o deserto de las vegas. Onde tivemos o seguinte resultado através do Dall-E 3

É claro que esse não foi o resultado final, mas acelerou MUITO a discussão sobre o que gostaríamos de ver no resultado e também como forma de orientar a equipe que estava atuando no projeto.

03 Refinamento

Por fim, o refinamento é a hora em que o projeto sai do forno e vai para uma apresentação para o stakeholder e demais envolvidos. IAs mais profissionais e presentes em softwares como Adobe Photoshop e Illustrator são as protagonistas nessa etapa. Abaixo um exemplo de como a IA generativa da Adobe auxiliou na criação de contexto e enriquecimento visual para o projeto de uma pizzaria.

Foram horas economizadas com a busca de imagens, fazendo recortes e ajustes de luz e sombra, já que as próprias IAs são capazes de levar o contexto da foto em consideração para definir esses elementos por conta própria.

Outras etapas

Ainda há muito o que descobrir sobre a utilização de IAs no mercado de criação. Outros processos que podem ser automatizados são campanhas de marketing, geração de conteúdo e até mesmo planos de lançamento de novos produtos. 

A  implementação de processos com IAs é capaz de reduzir o tempo médio de um projeto pela metade. O custo interno diminui, a margem aumenta e os projetos saem muito mais ricos com muito menos esforço. Por isso acreditamos que este é apenas o início da era do design 2.0.

Design 2.0

A indústria do design já passou por muita coisa e, com todas essas mudanças, novas formas de interagir e trabalhar foram se unindo ao nosso arsenal de ferramentas. Décadas atrás não havia computador, hoje ele é indispensável. Ontem não se falava em IAs Generativas e para o amanhã, já sabemos o que nos aguarda. É imprescindível que o profissional criativo se adapte ao zeitgeist para crescer pessoal e profissionalmente.

O futuro não é sobre substituição, seremos híbridos e capazes de coexistir, essa é a nova era da indústria da criatividade. A criatividade artificial. Esse é o Design 2.0 em que acreditamos.

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