A FALÁCIA DO FEEDBACK #02: Não precisamos de feedback, precisamos de atenção

Written by Cynthia Hansen: é uma mulher de mente inquieta e coração aberto, que busca caminhos para a educação emocional a partir da intersecção entre Filosofia, Psicologia, Ciências Cognitivas e Neurociência e é aficionada por processos de aprendizagem.

Imagem: https://unsplash.com/@jontyson

Não precisamos de feedback, precisamos de atenção. Mas não precisamos de qualquer tipo de atenção, precisamos de atenção positiva.

A tendência a olhar para o que é negativo é muito forte — resumida de maneira memorável por Rick Hanson, psicólogo da Universidade Berkeley, ao dizer: “O cérebro é como velcro para experiências negativas, mas como Teflon para as positivas” […]. (Buckingham e Goodall em Nove mitos sobre o trabalho, p. 123).

Participo de uma comunidade de aprendizagem incrível sobre Design de Conexões, a KOMUTA, fomentada pelas pessoas igualmente incríveis do Instituto Amuta. Numa das nossas temporadas de estudos, discutindo o amor nas organizações. Uma de nossas leituras foram adaptações de dois capítulos do livro Nove mitos sobre o trabalho, de Marcus Buckinham e Ashley Goodall. Um capítulo trata da falácia do modelo de competências e o outro, da falácia da necessidade de feedback.

Minha reflexão, dividida em três textos (você está lendo o segundo deles — se quiser ler o primeiro, clique AQUI), trata do capítulo sobre a ideia de que as pessoas precisam de feedback e, ao discuti-lo, acabo, indiretamente, atacando, em conjunto, a ideia equivocada tratada no outro capítulo: a noção de que os funcionários mais completos são os melhores.

Meu terapeuta me lembrou algumas vezes do experimento dos bebezinhos de macaco com a mãe de arame e a mãe felpuda (a mãe de arame portava uma mamadeira com leite, a felpuda, não — eles não tinham acesso as suas verdadeiras mães durante o experimento). Isso foi feito pelo psicólogo Harry Harlow na década de 1950, ou seja, não dá nem pra começar a discutir ética na ciência aqui 🤯.

Mas, enfim, os autores do livro trazem esse experimento para explicar a mesma coisa que meu terapeuta vez o outra me fazia lembrar, a respeito da teoria do apego: assim como os macaquinhos, nós preferimos estar com quem nos oferece afeto. Nos aproximamos das pessoas que não o oferecem apenas por força das contingências. Sempre que temos escolha, a tendência é ficarmos junto de quem é capaz de nos acolher com mais carinho.

Mais um parêntese aqui: não é à toa que eu acredito demais no potencial transformador de propostas de criação e manutenção de espaços seguros, como os grupos reflexivos para homens (veja o exemplo lindo do projeto MEMOH) e as redes de networking feminino (como a da We For Woman, da qual sou co-fundadora ❤️). Podemos estar em 2021, mas tanto mulheres quanto homens ainda enfrentam muitos desafios para poderem se desvencilhar das amarrar sociais, culturais e políticas que constrangem suas existências. No ambiente de trabalho isso não é diferente.

Voltando ao assunto, se a discussão é sobre atenção, entre nada e alguma coisa, acabamos preferindo alguma coisa (outras experiências de Harlow com os mesmos macaquinhos também mostraram isso). Qualquer coisa parece melhor do que nos sentirmos ignorados e isso parece dar algum sentido a muitas relações sem sentido que vemos por aí. Quem nunca esteve em pelo menos um dos lados dessa equação (acreditando que está dando uma baita ajuda a alguém apontando constantemente suas falhas OU recebendo feedbacks negativos sucessivos como presentes valiosos) que atire o primeiro feedback!

Você pode estar se perguntando, a esta altura: tá, mas se a pessoa não souber onde estão os problemas, como ela vai conseguir se aprimorar? De acordo com resultados de pesquisas científicas citadas pelos autores — e, ainda acrescento, uma série de leituras que fiz no campo da Psicologia, das Ciências Cognitivas e da Neurociência -, sentir que o que você faz, da forma como você faz, é útil e importante gera o tipo de motivação para ação mais difícil de se conseguir: a motivação intrínseca. Se você quiser conhecer um pouco mais a respeito dos diferentes tipos de motivação, pode ler este meu texto aqui.

Os autores citam estudos de Neurociência para explicar por que focar nos acertos faz mais sentido: geramos muito mais neurônios e conexões sinápticas (viva a neuroplasticidade!) nos pontos em que já se concentra uma boa quantidade de neurônios e conexões, ou seja, os pontos fortes das pessoas são suas áreas mais propícias ao desenvolvimento. Quando você é estimulado naquilo que faz de melhor o resultado não é simplesmente fazer mais do mesmo, é fazer ainda melhor o que você já fazia bem

As pessoas não precisam de feedback. Elas precisam de atenção e, mais do que isso, atenção àquilo que fazem melhor. E se tornam mais comprometidas e, portanto, mais produtivas, quando damos essa atenção a elas (p. 116)

E quando recebemos feedbacks negativos, o que acontece?

Há experimentos neurológicos que mostram que feedbacks negativos acionam o sistema cerebral primitivo de ‘lutar ou fugir’ (o sistema límbico), ou seja, a resposta do cérebro é a mesma de quando se recebe uma ameaça, o que faz com que a pessoa fique com foco restrito em sobreviver. Considerando que não há nenhum leão correndo atrás de nós, não haveria necessidade de uma reação tão exagerada a um ‘inocente’ feedback. Mas os tempos mudaram e os leões que nos provocam sequestros emocionais hoje em dia são outros! Se você quiser entender melhor como funcionam os sequestros emocionais, leia Inteligência Emocional, de David Goleman.

Nesse contexto em que diálogos podem acionar gatilhos emocionais profundos, o que me ajudou a quebrar certos ciclos de ataque e defesa foram as técnicas de CNV (Comunicação Não-Violenta). Não é nada fácil incorporá-las, mas sempre alcancei bons resultados quando consegui manter a presença de espírito e me valer delas.

Outro exercício importante é substituir o hábito da crítica pelo hábito da apreciação, pois ela nos leva a melhores relações que, por sua vez, nos levam ao estabelecimento de um ambiente seguro para as pessoas florescerem naquilo que têm de melhor. Se quiser saber mais sobre esse assunto, conheça o trabalho da 

Mônica Lan e da 

Maria Clara Tavares Lopes sobre o poder da apreciação! Estamos muito habituados a focar nas falhas porque acreditamos, por muito tempo, que a melhoria só vem da eliminação das deficiências. Precisamos dar uma chance para o amor nas relações, em todos os tipos de relações.

Eu adorei a provocação que os autores fazem no texto sobre o perigo de sairmos da zona de conforto, contrapondo o senso comum de que é apenas fora dela que somos capazes de nos desenvolver: “quando nos tiram da zona de conforto, nosso cérebro para de prestar atenção em tudo que não seja sobreviver àquela experiência (p. 119)”.

Claro, é possível extrair aprendizado das situações em que nos vemos tendo que sobreviver à experiência pela qual estamos passando. Inclusive, recomendo, pois, de modo geral, esse aprendizado parece ser a única parte boa de todo o desconforto que esse tipo de situação traz. O que a gente não pode fazer é confundir zona de conforto com INÉRCIA. É a inércia que não leva a gente a lugar algum!

Essa história de zona de conforto X desconforto me lembrou meus estudos sobre Pedagogia do Ensino Superior e da zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky. Apreciações sinceras (que não são o mesmo que elogios) parecem agir de modo a levar as pessoas a expandirem o seu potencial de desenvolvimento. São, portanto, suportes para a aprendizagem e, como a neurociência já consegue demonstrar, são muito mais eficazes que críticas ou feedbacks negativos para atingir este objetivo.

A tendência a olhar para o que é negativo é muito forte — resumida de maneira memorável por Rick Hanson, psicólogo da Universidade Berkeley, ao dizer: “O cérebro é como velcro para experiências negativas, mas como Teflon para as positivas” –, e é por isso que é tão importante tornar [o hábito de buscar o que está funcionando bem] um hábito consciente. Pode não ser algo fácil ou natural para você, mas o benefício é tão grande no que diz respeito a desempenho, crescimento e comprometimento que vale a pena praticar (p. 120).

Ok, mas por que não basta elogiar, dizendo algo como: ‘nossa, ficou muito bom o seu trabalho!’? Além de, a depender do tipo de elogio que você dá, você estimular a ideia de habilidades inatas em detrimento do desenvolvimento pelo esforço (se quiser saber mais sobre isso, leia Mindset!), segundo o texto, o simples elogio não ajuda a pessoa a perceber claramente o que tem de bom naquilo que ela fez. A sugestão dos autores, então, é utilizar uma postura de Investigação Apreciativa:

[…] o ideal a fazer é contar à pessoa o que você sentiu quando aquele momento de excelência chamou sua atenção — sua reação instantânea àquilo que deu certo. Para o integrante de uma equipe, nada é mais convincente, portanto, mais potente, que você (seu chefe) compartilhar o que o viu fazer e o que isso despertou em você. Ou em que o fez pensar. Ou o que o fez descobrir. Ou como e em que medida poderá contar com ele a partir de agora. Essas reações são suas, e, ao dividi-las de maneira detalhada e específica, não estará julgando, avaliando ou definindo aquela pessoa. Estará apenas refletindo a “marca” única que ela acaba de deixar no mundo, vista pelos olhos de outra pessoa: você. E exatamente por não ser um juízo ou uma avaliação, e sim uma simples reação, será relevante e indubitável (p. 123)

Bom, você pode estar se perguntando: ‘Ok, mas como a gente faz em relação aos erros? Deixa de lado, finge que não viu?’ Nada disso! Como humanos que somos, vamos falhar e ignorar falhas não é uma boa saída. É preciso, sim, lidar com os erros. O importante, segundo os autores, é lembrar que, ao remediar um erro para que ele não aconteça de novamente você não se aproxima da criação de um desempenho excelente:

A excelência não é o inverso do fracasso: nunca se cria um desempenho excelente somente consertando um desempenho ruim. A correção de erros não passa de uma ferramenta para prevenir o fracasso (p. 124).

Resumindo: a correção de erros não nos leva a realmente crescer. Se você quer que as pessoas com as quais você se relaciona cresçam (leia-se: aprendam), além de não supervalorizar os momentos de revisão corretiva, é preciso praticar constantemente o estímulo assertivo ao bom desempenho. Mas, e quando as pessoas pedem conselhos sobre como agir e o que fazer para melhorar? Se você quiser saber o que os autores pensam sobre a prática de dar conselhos, leia o terceiro texto desta série: A FALÁCIA DO FEEDBACK #03: Se conselho fosse bom… Agora, se você quiser entender porque é tão fácil apontar os ‘defeitos’ dos outros e tão difícil enxergar os nossos próprios, leia o primeiro texto da série: A FALÁCIA DO FEEDBACK #01: Mitos sobre o trabalho ou mitos sobre como as pessoas se desenvolvem?

MAIS SOBRE A AUTORA:

É publicitária, mãe de pet, professora universitária, mentora e consultora em aprendizagem e planejamento de projetos, Doutora em Ciências da Linguagem e organizadora de eventos. Possui certificações docentes em Pedagogia do Ensino Superior e Formação de Formadores pela Finland University e algumas plantas que, vez ou outra, passam sede.

Além do trabalho na docência e com as mentorias, iniciou um laboratório visando ressignificar as relações na aprendizagem, ajudando pessoas que buscam transformar a si para transformar o mundo — o Heimo Learning Lab — junto com outras mentes que acreditam que é preciso ser humano, inventivo e inquieto para transformar.