A FALÁCIA DO FEEDBACK #03: Se conselho fosse bom…

Written by Cynthia Hansen: é uma mulher de mente inquieta e coração aberto, que busca caminhos para a educação emocional a partir da intersecção entre Filosofia, Psicologia, Ciências Cognitivas e Neurociência e é aficionada por processos de aprendizagem.

Imagem: https://unsplash.com/@charlesdeluvio

Antes de qualquer coisa, tente resistir à forte tentação de sair dando seus melhores conselhos.*

* Reconhecemos a ironia aqui: estamos lhe dando o conselho de não dar conselhos.

Buckingham e Goodall em Nove mitos sobre o trabalho (p. 125).

Participo de uma comunidade de aprendizagem incrível sobre Design de Conexões, a KOMUTA, fomentada pelas pessoas igualmente incríveis do Instituto Amuta. Numa das nossas temporadas de estudos, discutindo o amor nas organizações. Uma de nossas leituras foram adaptações de dois capítulos do livro Nove mitos sobre o trabalho, de Marcus Buckinham e Ashley Goodall. Um capítulo trata da falácia do modelo de competências e o outro, da falácia da necessidade de feedback.

Minha análise, dividida em três textos (você está lendo o terceiro deles — se quiser ler o primeiro, clique AQUI. Para ler o segundo, clique AQUI), trata do capítulo sobre a ideia de que as pessoas precisam de feedback e, ao discuti-lo, acabo, indiretamente, atacando, em conjunto, a ideia equivocada tratada no outro capítulo: a noção de que os funcionários mais completos são os melhores.

Depois de uma análise sobre como o feedback negativo está arraigado nas nossas práticas e o quanto é mais fácil enxergar defeitos (principalmente nos outros) do que fazer boas apreciações (e o péssimo efeito que isso traz para o desenvolvimento das pessoas), os autores encerram o capítulo falando sobre a inutilidade dos conselhos. A base dessa afirmação está no seguinte:

[…] seu cérebro foi programado de maneira única, de tal modo que o mundo que você enxerga e sua interpretação dele, as coisas que o atraem, o repelem, o animam ou o esgotam, e os insights que essas coisas despertam em sua mente, tudo isso muda de uma pessoa para outra e se torna cada vez mais diferente à medida que envelhecemos. […] Visto dessa maneira, muito daquilo que chamamos de ‘conselho’ talvez pudesse ser chamado de Declamação de uma série de táticas que funcionam comigo e apenas comigo. (p. 125–126).

Seguindo esta lógica, um conselho poderá ser útil apenas quando a pessoa que o receber conseguir dar a ele um significado próprio, combinando-o com seu próprio repertório e gerando, assim, um insight. Este insight, sem dúvida, é um aprendizado, pois leva a um novo entendimento, mas, como destacam os autores, o insight é gerado internamente, sendo apenas estimulado de fora. Trocando em miúdos: nem sempre um conselho gerará um insight ao aconselhado.

Sendo assim, a pergunta que fica é: além da apreciação (leia sobre a apreciação como alternativa ao feedback aqui), o que mais pode ser feito para ajudar as pessoas a atingirem o seu melhor desempenho? Os autores sugerem o que chamam de ‘abordagem da paleta de tintas’:

[…] os conselhos mais úteis não são como quadros. Estão mais para uma paleta de tintas e um conjunto de pincéis. Neles, os melhores líderes de equipes parecem estar dizendo: pegue essas tintas, esses pincéis, e veja o que consegue fazer com eles. Do seu ponto de vista, o que você enxerga? Que quadro consegue pintar? […] Quando um integrante de equipe vier lhe pedir conselhos, portanto, não saia correndo para seu cavalete e comece a pintar desesperadamente. Em vez disso, experimente a abordagem da paleta de tintas, que inclui alguns tons do presente, algumas nuances do passado e algumas pinceladas coloridas do futuro (p. 127).

Sobre o presente, a sugestão é fazer a pessoa se concentrar em coisas que estão dando certo no momento, de modo que a sensação de frustração, fracasso ou derrota que ela está sentido por conta do que não está dando certo se dissolva um pouco. “Essas coisas podem ter relação com a situação ou podem ser completamente alheias a ela. Podem ser significativas ou irrelevantes. Não importa” (p. 127).

Sobre o passado, a ideia é convidar a pessoa a lembrar que coisas fez quando esteve em situações parecidas e que funcionaram bem: “Quando você teve um problema do gênero no passado, o que fez que deu certo?” (p. 128). A abordagem em relação ao futuro amarra as boas práticas do passado à situação presente: “O que você já sabe que precisa fazer? O que você já sabe que funciona nessa situação?” (p. 128). Um adendo importante:

A ênfase aqui não deve estar em perguntas do tipo “Por que…?” (“Por que não deu certo?” ou “Por que você acha que tem que fazer isso?”), pois isso só leva você e a pessoa de um lado para outro, num mundo confuso de hipóteses e ideias em retrospectiva. Em vez disso, confie em perguntas do tipo “O que…?” (“O que você quer que aconteça de verdade?” ou “O que poderia fazer de imediato?”). Essa linha de questionamento provoca respostas concretas, em que a pessoa poderá visualizar seu verdadeiro eu tomando medidas efetivas no curto prazo (p. 128).

A apresentação da abordagem feita no texto me levou diretamente a dois aprendizados muito significativos sobre processos de aprendizagem. Um deles é o modelo ‘skilled helper’, apresentado no livro ‘The Skilled Helper: A Problem-Management and Opportunity-Development Approach to Helping’ de Gerard Egan, que tem foco na relação terapeuta-paciente, mas que se presta perfeitamente ao trabalho de mentoria (inclusive, é citado por entidades representativas relacionadas a coaching no Brasil).

Além de não ter encontrado uma versão brasileira do livro, também achei pouca coisa sobre o modelo de Egan em português, então acabei fazendo uma tradução livre da estrutura básica do modelo, conforme ele é apresentado aqui. A seguir você pode ler a tradução livre da apresentação do modelo:

Este é um modelo ou estrutura de 3 estágios, útil para ajudar as pessoas a resolver problemas e desenvolver oportunidades. Os objetivos de usar o modelo são: ajudar as pessoas a ‘administrar seus problemas de vida de maneira mais eficaz e desenvolver oportunidades não utilizadas de forma mais completa’ e ‘ajudar as pessoas a se tornarem melhores em ajudar a si mesmas em suas vidas cotidianas.’ (Egan G., ‘The Skilled Helper ‘, 1998, p.7–8). Portanto, há uma ênfase no empoderamento. Além disso, a própria agenda da pessoa é central, e o modelo busca mover a pessoa em direção à ação que leva a resultados que ela escolhe e valoriza.

Os estágios do modelo se referem a passado, presente e futuro, exatamente como sugerem Buckingham e Goodall em ‘Nove mitos sobre o trabalho’! Além disso, prevalece, da mesma forma que sugerida pelos autores, a postura investigativa, que foca na experiência da pessoa que está sendo ajudada e não na de quem está ajudando.

Outro aprendizado incrível que tive durante meus estudos formais a respeito de processos de aprendizagem foi o uso de Estruturas Libertadoras. Já ouviu falar delas? Criadas pelos canadenses Henri Lipmanowicz e Keith McCandless e apresentadas no livro ‘The Surprising Power of Liberating Structures: Simple Rules to Unleash A Culture of Innovation’, as Estruturas Libertadoras, segundo os próprios autores, são libertadoras porque:

Estruturas convencionais são ou muito inibitórias (apresentações, relatórios de status e discussões gerenciadas) ou muito soltas e desorganizadas (discussões abertas e brainstorms) para engajar criativamente as pessoas no desenho de seu próprio futuro. Estas estruturas frequentemente geram sentimentos de frustração e/ou exclusão e falham em prover espaço para boas ideias surgirem e germinarem. As Estruturas Libertadoras, por sua vez, introduzem pequenas mudanças na forma como nos reunimos, planejamos, decidimos e nos relacionamos uns com os outros.

O pessoal da Aprendix Global, empresa focada em processos de facilitação, faz um trabalho incrível de disseminação das Estruturas Libertadoras (ELs), mantendo um site em português que apresenta todas as ELs em detalhes. Vale muito a pena conhecer e praticar. Se quiser um relato do uso de ELs, neste texto aqui eu falo um pouco sobre o uso da mais essencial delas, a ‘1–2–4-All’, numa disciplina minha no Ensino Superior.

A Psicologia, ao se unir à Neurociência e às Ciências Cognitivas, já avançou tanto… É hora de organizações, mas, antes delas, nós, as pessoas, tomarmos consciência de que o que precisamos realmente é de uma outra educação. O bom e velho método científico nos revelou que estávamos entendendo (e, portando, fazendo) tudo errado. É preciso permitir que haja espaço e humildade para assumirmos que ainda temos muito a aprender sobre nós mesmos e os outros e nos movermos no sentido de, JUNTOS, encontrarmos uma maneira mais assertiva para sermos e estarmos no mundo. Somos seres relacionais. Se focarmos na construção de relações saudáveis, não apenas as nossas relações melhorarão, mas também o mundo que, diariamente, criamos para viver.

Termino esta série de reflexões sobre a falácia do feedback convidando você a experimentar uma postura mais empoderadora em relação às pessoas que estão sob a sua liderança, seja na família, no trabalho ou em comunidades de que você faz parte. Por tudo que tenho visto, estudado e experimentado, a Comunicação Não-Violenta, a investigação apreciativa, o modelo de Egan e as Estruturas Libertadoras são artefatos de grande ajuda nesse processo de mudança de hábitos.

Leia também, desta mesma série:

A FALÁCIA DO FEEDBACK #01: Mitos sobre o trabalho ou mitos sobre como as pessoas se desenvolvem?

A FALÁCIA DO FEEDBACK #02: Não precisamos de feedback, precisamos de atenção.

MAIS SOBRE A AUTORA:

É publicitária, mãe de pet, professora universitária, mentora e consultora em aprendizagem e planejamento de projetos, Doutora em Ciências da Linguagem e organizadora de eventos. Possui certificações docentes em Pedagogia do Ensino Superior e Formação de Formadores pela Finland University e algumas plantas que, vez ou outra, passam sede.

Além do trabalho na docência e com as mentorias, iniciou um laboratório visando ressignificar as relações na aprendizagem, ajudando pessoas que buscam transformar a si para transformar o mundo — o Heimo Learning Lab — junto com outras mentes que acreditam que é preciso ser humano, inventivo e inquieto para transformar.