O futuro das marcas incluem os (muitos dados dos) seus clientes

Written by Carla De Bona: Designer focusing on UI/UX Design. Researcher with M.S. in Communication and Semiotics. Entrepreneur, co-founder of {reprograma}, a social impact initiative

Um dos episódios mais emblemático e bonito da série Mad Men, é o episódio “The Wheel“. Nele, Don Draper, faz uma apresentação brilhante sobre como seria a narrativa da marca do novo dispositivo de projeção de slides no formato de roda da Kodak.

Nostalgia — it’s delicate, but potent. Teddy told me that in Greek, “nostalgia” literally means “the pain from an old wound.” It’s a twinge in your heart far more powerful than memory alone. This device isn’t a spaceship, it’s a time machine. It goes backwards, and forwards… it takes us to a place where we ache to go again. It’s not called the wheel, it’s called the carousel. It let’s us travel the way a child travels — around and around, and back home again, to a place where we know are loved. — Don Draper

Mad Men ❤

Você deveria nesse momento estar tentando entender onde Mad Men se conecta com o título desse texto… tenha fé, eu vou chegar lá! Primeiro, a gente ainda precisa se ater ao fato de ter escolhido justamente uma marca que ̶n̶ã̶o̶ ̶é̶ ̶m̶a̶i̶s̶ ̶u̶m̶a̶ ̶b̶r̶a̶s̶t̶e̶m̶p̶ ̶e̶ se perdeu em entender seu presente para se projetar no futuro. Lembra, que em 2012, a Kodak veio a público decretar falência? Um marca, que no final da década de 70, tinha 90% das vendas de filmes e 85% das vendas de câmeras nos Estados Unidos, o principal mercado do mundo. Mais do que simplesmente, se tornar digital com produtos e serviços, a Kodak não se moveu rápido o suficiente para lidar com advento do smartphone e que a partir dele, as pessoas comuns iriam começar a registrar os momentos da sua vida através de um celular, e não mais uma câmera fotográfica (seja ela digital ou não).

OPEN. DROP IN. SHOOT! Poxa, Kodak ¯\_(ツ)_/¯

Como explicar que a maior empresa de fotografia que o planeta já viu e dominava o mercado com números impressionantes, conseguiu desaparecer, sendo que as pessoas continuam tirando fotos? Peter Diamandis, co-fundador e chairman da Singulary University, além de autor dos livros Abundância e BOLD, descreve esse mundo que a Kodak não soube se encaixar:

Nós vivemos na era da disrupção e isso é uma coisa boa. Indústrias se transformarão. Principais empresas cairão. Sistemas antigos entrarão em colapso à medida que os empresários descobrirem como otimizar e reinventar os negócios, os produtos e os serviços ineficientes para proporcionar aos consumidores todas as coisas melhores, mais rápidas e baratas. — Peter Diamandis

Ao mesmo tempo que tudo isso está acontecendo em uma velocidade que a gente já desistiu de tentar acompanhar, uma coisa permanece certa: as empresas continuarão tentando vender coisas e continuarão apresentando novas maneiras de fazê-lo.

O que é novo nessa relação marcas e clientes, é que as marcas não são mais capazes de gerenciar suas narrativas com tanto controle quanto era na época de ouro da televisão e da publicidade (Oi, Mad Men!). Lá atrás, o marketing de massa, na base da repetição da mensagem, sobrecarregava a audiência a tal ponto que não havia outra forma para o cliente do que replicar e acreditar na narrativa que a marca tinha escolhido pra si. Mas os tempos são outros e temos as redes sociais para dar ao cliente, um certo “empoderamento digital”. Aquele vídeo viral, aquele comentário ou um “textão” de um cliente pode reescrever a narrativa da marca. O caso mais recente, que mostra os clientes influenciando a construção da narrativa da marca, é o gif de 3 segundos que a DOVE publicou nas suas redes sociais para divulgar um de seus produtos. Não acredito que passaria batido se fosse outra marca, mas no caso da DOVE tomou proporções gigantescas justamente por que ía na contra-mão da narrativa que a marca vem construindo para si, que é da diversidade e beleza real. Um gif de 3 segundos e um post inicial da influencer e especialista em maquiagem NayTheMua, levou ao Trend Topics do Twitter as hashtags #DoveIsRacist e #BoycottDove. Com isso, veio o pedido público de desculpas da DOVE. Além claro, do post com o gif ter sido deletado também.

A internet eterniza, até quando a gente deleta o gif, né, DOVE?

Agora, os clientes também são proprietários da narrativa de uma marca, e o trabalho da marca será muito mais curar, evoluir e desenvolver essa narrativa em tempo real. Aqueles ciclos ampliados de planejamento de marketing estão dando lugar a micro estratégias que desenvolvam a interação por interação.

Quem é teu Deus da Narrativa agora, Don Draper?

Parece um mundo legal, né? Esse mundo, onde o cliente está empoderado e a relação marca e cliente está mais horizontal, trabalhada na voz e desejos do cliente. Parece… Mas para quem já leu Admirável Mundo Novo ou assistiu a série Black Mirror, é impossível desconsiderar uma certa distopia para o futuro também. É o meu caso… Aliás, estávamos aqui para falar do futuro das marcas, mas já está tudo acontecendo… agora, aqui mesmo, onde nós estamos!

“The treta has been planted”

Nesse cenário ̶f̶u̶t̶u̶r̶i̶s̶t̶a̶ , os dados nunca dormem, aliás o número de dados gerados no mundo cresce exponencialmente, de uma forma que assim como as mudanças, a gente já desistiu de acompanhar também. É impressionante (para não dizer assustador) ver a quantidade de dados que são gerados em apenas 1 minuto: 3,567,850 the mensagens são enviadas no Estados Unidos (só no Estados Unidos). A nossa troca de likes (̶s̶i̶g̶o̶ ̶d̶e̶ ̶v̶o̶l̶t̶a̶)̶ em fotos no Instagram é de 2,430,555. O Google é solicitado a traduzir 69,500,000 palavras por minuto e por aí vai…

Com um volume tão grande de dados, não é a toa que a Data Science é buzz world da vez. Estamos no momento ̶f̶u̶t̶u̶r̶o̶ , onde os dados começam a ser usado para tudo, estruturando-se em modelos preditivos como a Leticia, da CAPPRA explica e exemplifica:

Um sistema preditivo é uma máquina programada e ensinada a replicar e (constantemente) reaprender a partir de inputs (respostas) que um negócio busca descobrir. Ele apoia um processo de decisão, trazendo a melhor saída ou a mais provável, considerando o histórico de vezes que aquilo já se repetiu, e as diversas variáveis que possam impactar no seu resultado.
Por exemplo: um modelo preditivo pode responder se a demanda de um produto vai aumentar ou reduzir no próximo mês. Para isso, ele aprende com o histórico daqueles dados de demanda e de outras variáveis que possam vir a impactar na demanda, reaprendendo, a cada resposta (valor da demanda real versus o valor que ele previu), melhorando seu resultado de: cresce ou diminui. — Leticia Ange Pozza

Ou seja, esses modelos preditivos, com essas enorme quantidade de dados e também alimentado por uma Inteligência Artificial (AI) cada vez mais madura, conseguem dar uma visão adaptativa das coisas de forma muito rápida, e não mais apenas uma análise em si. Isso quer dizer, que o comportamento das pessoas passa ser um código e que podemos decifrar a forma que percebemos o comportamento e transformá-lo em algo mais tangível, mensurável e rastreável. Não é a toa que Barack Obama, em 2015, anunciou um novo cargo executivo dentro do Estados Unidos, o Cientista-Chefe de Dados. O objetivo dessa ação presidencial, foi buscar formas de tomar melhores decisões em cima da quantidade de dados gigantesca já captada, olhando para esses dados em busca de padrões, logo novos insights e por sua vez menos intuição e mais assertividade.

E parece que o segredo da eleição do atual presidente do Estados Unidos, o Trump, também passou por esse caminho cheio de dados e rastros. Tanto que o Alexander James Ashburner Nix, CEO da Cambridge Analytica, disse no seu comunicado público após a vitória inesperada do Trump:

“We are thrilled that our revolutionary approach to data-driven communication has played such an integral part in President-elect Trump’s extraordinary win.

A estratégia utilizada passa pelo modelo conhecido como Big Five: abertura (a novas experiências), consenciosidade (perfeccionismo), extroversão (sociabilidade), condescendência (cooperatividade) e neuroticismo (temperamento). Com base nessas dimensões — conhecidas pela sigla em inglês OCEAN — é possível avaliar qualquer pessoa com considerável precisão. Isso quer dizer que é capaz de se entender as necessidades, os medos e até como as pessoas devem se comportar. Por muito tempo, o problema com esse método foi a coleta de dados. Então veio a Internet. E a Big Data. E os nossos rastros digitais deixados diariamente por aí, como perfis em redes sociais, GPS de locais visitados, dados de uso dos serviços públicos e compras online. Com esses dados e o modelo Big Five, a Cambridge Analytica diz ser capaz de criar mensagens moldadas em nível praticamente individual.

André Torreta, o marqueteiro brasileiro que importou o método da campanha de Trump para usar em 2018 aqui no Brasil, explica com uma didática bem simples, onde está o poder de construir a narrativa de marca de uma forma específica e personalizada, ou como eu disse há alguns parágrafos atrás, interação por interação:

“Quem vai atrás de Ivete Sangalo é igual a quem vai atrás de Cláudia Leite? Não.” Em outras palavras, duas mulheres de 35 anos do bairro nobre dos Jardins, em São Paulo, podem ter inclinações completamente diferentes se o assunto é aquecimento global e isso pode ser decisivo na hora de comprar um carro ou votar. Nos cálculos do marqueteiro, se cada candidato presidencial, por exemplo, tem mais ou menos “50 discursos” num programa de governo, é só escolher qual o mais adequado para cada uma. Torretta volta à apresentação no Power Point para apontar um slide com cinco fotos do presidente Michel Temer em diferentes circunstâncias. “Eu posso te dizer aqui qual foto é melhor, de acordo com o bairro ou a classe social ou o traço psicográfico [da pessoa]”, diz. “Eu estou te enganando? Não, estou apenas entregando o que você quer ver. — André Torreta

Ou seja, o futuro da marca, deixa de passar pelo controle narrativo da marca (Tchau, Mad Men!) e começa a passar pela incorporação de dados (muitos dados mesmo) e uma visão profunda e adaptativa desses dados para cada cliente específico. Lembra que eu avisei que as empresas continuariam tentando vender coisas para nós, né? Pois então, a maneira encontrada ̶p̶a̶r̶a̶ ̶o̶ ̶f̶u̶t̶u̶r̶o̶ foi incorporar a inteligência artificial e os dados para operacionalizar as micros narrações para cada cliente, da forma que esse cliente “escolha” o que essa marca signifique para si mesmo, dando um senso de autenticidade e em uma velocidade que uma marca nunca conseguiria no passado.

Assustado, jovem Padaw? Eu também! Mas como tudo na vida, o que acontece com a tecnologia é um reflexo de nós mesmos como seres humanos, para o bem e para o mal. Logo, terão marcas, usando esse volume todo de dados para entender melhor o seu cliente, colocar o seu usuário no centro da estratégia e oferecer um serviço, melhor, mais barato e rápido como o Peter Diamandis previu. Quer um exemplo? Nubank. Assim como, também terão marcas que usarão esse mesmo volume de dados para entender seu cliente especificamente e não tentar mais te convencer pela repetição do discurso, e sim, por te proporcionar aquilo que você quer ver, do jeitinho que você quer ver.

Como não dá para dar ctrl+z na vida e o futuro já é o presente. Talvez, para nós, clientes, o futuro das marcas passe pelo seguinte questionamento: Como hackear o sistema e sair da bolha que eu mesmo ajudei a criar com meus rastros de comportamentos através dos meus likes, dos meus check-ins, dos meus cliques? Afinal, o futuro é agora e seu comportamento transformado em código já está em alguma das inúmeras bases de dados espalhada pelo mundo, pronto para ser usado para te oferecer um serviço/produto melhor ou te convencer que aquilo foi feito especialmente para você.