Precisamos falar sobre a década de 20

Written by Diego Piovesan Medeiros: Pesquisador, professor e entusiasta na área do Design e Comunicação. Interessado por branding, criatividade, boardgame, cultura geek e LEGO. www.metoludi.com.br

Um comparativo entre passado e futuro

Guerras, ditaduras, crises econômicas, disruptura artística e cultural, novas formas de entretenimento, liberdade de gênero… mas afinal, sobre qual década de 20 estamos falando?

Salvador Dali — “A Persistência da Memória” foi pintado em 1931, e retrata bem essa continuidade cíclica do tempo.

Você já percebeu que estamos quase vivendo novos anos 20? A fala acima, pode muito bem cair nos acontecimentos da década de 1920, assim como no que passaremos nesses próximos dez anos, na nova década de 2020. Fomentamos nosso ecossistema por ciclos culturais que nitidamente se repetem, tanto nos acertos, quanto nos erros.

Este ensaio busca, em oito tópicos, relacionar fatos do nosso passado, quase cem anos atrás, com previsões hipotéticas de uma quase realidade. Um desenho de um mundo quase que distópico, mas que está prestes a acontecer (ou não).

[ Para entender o padrão deste texto ]
A primeira parte de cada tópico apresenta situações passadas da década de 1920 (entre 1921-1930). A segunda parte do texto, em itálico, apresenta um exercício futuro e comparativo para a década de 2020 (2021-2030). Boa leitura!

01. American way of life: um novo estilo de vida

O estilo de vida americano tomou conta do mundo.
A primeira Grande Guerra chegou ao fim e ao entrar em 1920, o desenvolvimento econômico, cultural e tecnológico despontou em países da Europa e EUA. Foi a era das inovações tecnológicas, da eletricidade, da modernização das fábricas, do rádio e do início do cinema falado, que criaram, principalmente nos Estados Unidos, um clima de prosperidade sem precedentes, constituindo um dos pilares deste estilo de vida.

O estilo de vida digital tomará conta do mundo (mais do que pensamos).
A terceira Grande Guerra chegará ao fim no início dos anos de 2020, e o desenvolvimento econômico, cultural e tecnológico, irão gerar oportunidades de crescimento para países subdesenvolvidos da África e América do Sul, que antes não tinham total acesso ao mundo digital. Essa será a era das inovações disruptivas nanotecnológicas, dos carros elétricos autônomos passíveis de serem hackeados, da robotização por completo nas fábricas, dos conteúdos em streaming customizáveis, do início do cinema interativo, que criarão, no mundo inteiro, um clima de prosperidade e de um novo estilo de vida digital.

02. Roaring Twenties: os novos loucos anos 20

Existiu uma efervescência econômica em todo mundo.
O espírito dos Roaring Twenties (os loucos anos 20) foi marcado por um sentimento geral de descontinuidade associado com a modernidade e com uma ruptura com as antigas tradições. Tudo parecia ser viável através da tecnologia moderna. Os antigos ares formais e decorativos foram derrubados em favor da praticidade, tanto na vida diária quanto na arquitetura.

Existirá uma transcendência econômica em todo mundo.
O espírito de disrupção dos anos de 2020 será marcado por um sentimento geral de descontinuidade associado com a transcendência econômica-digital e com uma ruptura com as antigas tradições da moeda tradicional. Tudo parece ser viável por meio da nanotecnologia-digital contemporânea. Os antigos ares formais de lojas foram derrubados em favor das macrotendências digitais, favorecendo a praticidade e o conforto dos hiper consumidores online.

03. A sociedade do (hiper)consumo digital

Houve um crescimento da cultura de massa americana e mundial.
Consequências da Revolução Industrial, houve o crescimento da produção em série, da propaganda ganhando novas mídias (rádio e TV) e das vendas a crédito, encorajando as pessoas a consumir muito além de suas possibilidades. O rádio, o cinema, os jornais e as revistas foram os grandes divulgadores do novo estilo de vida de consumo. A frequência semanal aos cinemas duplicou, gerando muita receita para o entretenimento e fazendo com que estrelas de cinema tornaram-se os grandes símbolos de sucesso ditando moda e costumes. Os principais produtos comprados por essa geração eram automóveis, pianos, máquinas de lavar, máquinas de costura, geladeiras e gramofones.

Haverá um crescimento da cultura de conteúdo e da interação digital.
Em 2020 perceberemos as consequências da Revolução 4.0, que gerarão produtos e serviços advindos da nanotecnologias, neurotecnologias, robôs, inteligência artificial, biotecnologia, sistemas de armazenamento de energia, drones e impressoras 3D. Haverá um crescimento da produção de conteúdo e uma customização deste, a propaganda ganhará novas mídias (que nascerão e morrerão mais rapidamente) e as moedas digitais ganharão espaço, encorajando as pessoas a consumir muito além de suas possibilidades. No contraponto disso, lojas de departamento irão morrer, assim como shoppings, se tornando grandes áreas públicas verdes nas cidades. Os cinemas se aliarão com as tecnologias VR gerando novas experiências interativas aumentando ainda mais a receita para o setor. Estrelas do entretenimento digital nascerão e morrerão constantemente (adeus Felipe Neto). Os principais produtos comprados por essa geração serão automóveis elétricos, conteúdos de streaming e eletrodomésticos inteligentes.

04. Expansão artística e do entretenimento

As vanguardas criam uma disruptura cultural.
Em 1920 a Europa vivenciou um período de grande crescimento cultural, em que vários pintores, escritores, cineastas e dançarinos criaram obras e costumes inovadores. As vanguardas estavam em pleno vapor como o Dadaísmo de Duchamp e o Surrealismo de Dalí. No Brasil, em fevereiro de 1922 foi realizada, no Teatro Municipal de São Paulo, a “Semana de Arte Moderna”, contando com a participação de escritores, artistas plásticos, arquitetos e músicos, renovando o ambiente artístico e cultural em um país extremamente fechado culturalmente.

As vanguardas criam uma disruptura cultural.
Em 2020 a Europa será o museu do mundo e América e África, expoentes de novos artistas e movimentos. O Ocidente conversará culturalmente com o Oriente, fortalecendo o diálogo artístico entre os dois mundos. No Brasil, após terem descoberto que o causador do incêndio ao maior museu de arte de São Paulo era um deputado federal, uma nova comoção nacional voltará os olhos para cultura. A mídia dá destaque aos novos artistas, movimentos, coletivos, grupos, tanto em cidades pequenas, quanto em grandes centros. Em fevereiro de 2022 será realizada uma homenagem de aniversário dos 100 anos da “Semana de Arte Moderna”, contando com a participação de escritores, artistas plásticos, arquitetos e músicos nacionais, transmitindo mundialmente via streaming e fortalecendo o ambiente artístico e cultural.

05. Geração perdida ou futuro da nação?

Os mais velhos não enxergavam futuro na juventude.
A juventude da década de 1920, era chamada de “geração perdida” pelo seu modo de vida alienado e superficial. Pelos contrastes culturais da época e o crescimento econômico, a busca pelo entretenimento e a diversão dos jovens criava uma dicotomia de pensamento com os mais antigos.

Os mais velhos possuem esperança na geração Alpha.
A juventude da década de 2020, chamada de “geração Alpha” possuem maior cognição, atenção e foco que as outras gerações. Desde cedo são críticas e possuem posturas que fazem dos adultos, plenos confiantes nesses jovens para uma reconstrução social e política do mundo. Nasceram em meados de 2010 e passaram por transformações em dez anos que muitos em 50 não haviam passado. Isso oportunizou uma consciência de mundo que fará desses jovens, esperança de dias melhores. Será mesmo?

06. Flappers: redefinindo a (trans)generidade

Começou-se a luta pelos direitos da mulher.
Na maioria dos principais países ocidentais, mulheres recebiam o direito de votar pela primeira vez. O gênero feminino começava a se libertar de amarras de preconceito, iniciando manifestos de luta e conquistas sociais. Isso encorajou milhares de mulheres a lutarem pelos seu direitos a salários melhores, igualdade nas profissões, política e lideranças.

Começa-se a luta pelos direitos de ser quem quiser ser.
Em 2020, na maioria dos principais países ocidentais, transgênero receberão o direito de ir e vir sem questionamentos. Os diversos gêneros começarão a se libertar de amarras de preconceito, por conta de iniciativas educativas e de conscientização de relações maiores como o amor entre as pessoas entendendo que todos precisarão do seu espaço no mundo. Mesmo assim, atingindo a casa de 8 bilhões de habitantes na Terra, ainda teremos movimentos de intolerância e preconceito recorrentes em alguns países.

07. Ku Klux Kla e o novo nível da intolerância

A intransigência de pensamentos e culturas ganhou força e símbolo.
1920 foi conhecida como a década dos contrastes, tanto pelas expansões de liberdade, quanto pela intolerância, preconceitos e xenofobia. O Ato de Imigração de 1924, que vigorou até 1965, restringiu o número de imigrantes admitidos nos Estados Unidos o que afetou europeus do sul (italianos e espanhóis pobres) e impediu a entrada de asiáticos e indianos. A hostilidade norte-americana aos estrangeiros com ideias socialistas e anarquistas radicalizou-se. A xenofobia norte-americana chegou ao extremo com a Ku Klux Klan, organização racista que apoiava a supremacia dos brancos e protestantes.

A intransigência americana nas fronteiras só crescerá.
2020 será conhecida como a década dos contrastes, tanto pelas expansões de liberdade, quanto pela intolerância, preconceitos e ainda, xenofobia. O pós-Guerra, os atentados terroristas do início da década, restringirão o número de imigrantes nos Estados Unidos afetando países vizinhos como México e Canadá, impedindo a entrada de latinos, asiáticos, indianos e mulçumanos. A hostilidade norte-americana aos estrangeiros ganhará força pela mentalidade de seu ex-presidente Donald Trump. A xenofobia norte-americana chegará ao extremo com a as inquisições digitais nas mídias.

08. A Grande Depressão no final da década de 20

Crise econômica em 1929.
A Grande Depressão foi considerada o pior e o mais longo período de recessão econômica do século XX. Este período de depressão econômica gerou um índice de desemprego nunca antes registrado na história. Também foram registradas queda no PIB de diversos países, bem como quedas drásticas na produção industrial e preços de ações. Os efeitos da Grande Depressão foram sentidos no mundo inteiro, variando de país a país. Além dos Estados Unidos, foram a Alemanha, Países Baixos, Austrália, França, Itália, o Reino Unido e, especialmente, o Canadá. Porém, em certos países pouco industrializados naquela época, como a Argentina e o Brasil (que não conseguiu vender o café que tinha para outros países).

Crise psicológica em 2029.
A Grande Depressão será considerada a pior e mais complexa época de casos de tratamento psicológico do século XXI. Este período de depressão existencial irá gerar um índice de doenças da mente nunca antes registrado na história. Derivados das altas exigências e modelos importados do Vale do Silício, a sociedade desencadeará crises mentais que afetarão a próxima geração (Beta). Os efeitos da Grande Depressão serão sentidos no mundo inteiro, variando de país a país. Além dos Estados Unidos, a Alemanha, Índia, França, Japão, Reino Unido e, especialmente, a China.

Esse texto é um exercício que faço e compartilho para instigar o pensamento do quanto ainda estamos e vivemos parecidos com nossos antepassados de quase cem anos atrás.
Se estamos construindo o futuro e a história, por que persistir com tanto preconceito e destruições? Por que repetir erros tão simples de se corrigir? Bem, a resposta pode estar na nossa carga genética, nosso DNA antecessor, na cultura que herdamos, nos espelhos e relógios do passado, em tantas coisas… Não é tão simples quanto parece ser.
Que possamos seguir para essa nova década de 20 com o pensamento disruptivo de uma mudança positiva para o mundo. Não estávamos na década de 1920 para fazer a diferença lá, mas estamos vivendo essa nova década.
Bóra meter a mão na massa?
Feliz futuro quase alí, 2020!