Qual será o nosso legado?

Written by Cynthia Hansen: Publicitária, professora, apaixonada por aprendizagem, eterna aprendiz, co-idealizadora do Heimo Learning Lab e ligada em 220V! about.me/cynthia.hansen

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Nós seremos os ancestrais das futuras gerações. Você também sente nos ombros o peso dessa afirmação?

Quem nos lembra dessa grande responsabilidade é Roman Krznaric, um dos pensadores culturais e filósofos mais pops da nossa atualidade e, ainda, um dos fundadores da The School of Life — uma grande referência sobre educação emocional para mim — ao lado do também filósofo pop Alain de Botton.

No dia 05 de novembro, eu tive a oportunidade de ouvir Krznaric falar sobre seu novo livro: “The Good Ancestor” (ou, ‘O bom ancestral’, em tradução livre, livro a ser publicado no Brasil em 2021). A provocação que dá origem ao livro vem do inventor da vacina para a poliomielite (1953), Jonas Salk, que afirmava que a pergunta mais importante que devemos nos fazer é: “Estamos sendo bons ancestrais?”

Sinceramente, quando soube do título desse novo livro de Krznaric (pensador que conheci graças a outro livro que considero muito relevante para os tempos de hoje: O poder da empatia), perdi o fôlego por um instante. Será que algum Yuval Harari do futuro vai apontar a nossa geração como aquela que inviabilizou a vida no planeta Terra, seja por questões ambientais, políticas, sociais ou todas elas juntas e misturadas?

Atualmente, pelo menos para mim, anda difícil pensar para além do dia de amanhã. São MUITAS incertezas… Imagine, então, pensar no longo prazo a ponto de expandir nossos horizontes de tempo para além da nossa geração! Pois essa é a discussão que Krznaric traz em ‘O bom ancestral’: como podemos realmente pensar nas próximas gerações, em como seremos lembrados, e planejar em escala milenar (!!!).

A proposta da palestra foi apresentar um pouco das ideias do livro e eu achei tão bacana e importante o que ele disse que resolvi compartilhar aqui algumas coisas que me chamaram a atenção.

A primeira coisa que eu adorei foi a referência que Krznaric fez à neurociência. Tenho feito muitas leituras sobre como o cérebro funciona porque entender esse funcionamento ajuda demais a entender algumas coisas que fazemos, mas não conseguimos explicar porquê (como a minha fase de procrastinação durante o doutorado, por exemplo).

Uma coisa que é muito bacana de a gente entender é que nosso cérebro foi se desenvolvendo durante milhões de anos até chegar em sua forma atual, mas as formas mais antigas não deixaram de existir e nem perderam suas funções. O principal papel do cérebro é garantir a nossa sobrevivência, o que faz com que ele fique bem agitado sempre que nota algum tipo de perigo potencial. A camada mais atual do cérebro é chamada neocortex e é responsável por todo nosso pensamento analítico, racional e pela linguagem. Ou seja, é a parte que nos permite refletir e planejar para o longo prazo (o que precisamos fazer para sermos bons ancestrais).

Entretanto, as partes mais ancestrais do cérebro, focadas em pensamentos e reações mais imediatas (lutar ou fugir e por aí vai) ou emocionais, são quem toca o baile quando não temos (ou sentimos que não temos) tempo e/ou condições de ponderar nossas ações. Segundo Krznaric, esse imediatismo em que nos vemos imersos prejudica nossa capacidade de tomar decisões com impactos mais positivos para nossas futuras gerações. Ele aponta seis grandes agentes de ‘curto-termismo’ do pensamento:

TIRANIA DO RELÓGIO | aceleração do tempo desde a Idade Média

DISTRAÇÃO DIGITAL | a atenção sendo sequestrada pela tecnologia

PRESENTEÍSMO POLÍTICO | visão míope enfocando apenas a próxima eleição (alguém?)

CAPITALISMO ESPECULATIVO | montanha-russa dos mercados financeiros voláteis

INCERTEZA EM REDE | surgimento de riscos e contágios globais

PROGRESSO PERPÉTUO | a busca de crescimento econômico infinito

É claro, apesar dos problemas do pensamento de curto prazo, é preciso que fique claro que nem todo pensamento de longo prazo é, necessariamente, um pensamento benéfico. Para ilustrar a questão, Krznaric traz o exemplo do nazismo (não preciso dizer mais nada, né?). Assim, para cada um dos agentes de ‘curto-termismo’, o autor aponta uma maneira de pensar para a frente:

HUMILDADE DO TEMPO PROFUNDO | perceba que somos um piscar de olhos no tempo cósmico

MENTALIDADE DE LEGADO | seja lembrado com admiração pela posteridade

JUSTICA INTERGERACIONAL | considere a sétima geração à frente

RACIOCÍNIO DE CATEDRAL | planeje projetos para além da duração da vida humana

PREVISÃO HOLÍSTICA | imagine vias múltiplas para a civilização

META TRANSCENDENTE | empenhe-se pela pujança do planeta como um todo

Baita desafio, hein? Ele falou brevemente sobre cada um destes aspectos na palestra e, por conta disso, posso apostar que a leitura do livro vai mexer com as estruturas de qualquer pessoa realmente interessada em ser um bom ancestral porque, sim, é possível ❤️

Outra coisa que eu achei super legal foi que ele se referiu à ideia de economia donut, termo cunhado pela economista Kate Raworth e desenvolvido em seu livro ‘Economia Donut: uma alternativa ao crescimento a qualquer custo’. Eu ainda não li, mas ele já está na minha mira faz tempo e sei, de fonte segura, que é maravilhoso. Se você quiser um ‘tira-gosto’, a autora fez um TED talk sobre a sua teoria 🙂

Eu sou daquelas pessoas que vê o copo meio cheio, então, ouvir o Krznaric falar em possibilidade de criarmos mudança e referenciar uma proposta de paradigma econômico viável, no qual as necessidades de todos são satisfeitas sem esgotar os recursos do planeta, me dá um baita quentinho no coração!

Ah! E se você ficou com vontade de começar a mexer seus pauzinhos para se transformar em uma ou um ‘rebelde do tempo’ — que é como o Krznaric se refere a quem busca se tornar um melhor pensador de longo prazo para o benefício das futuras gerações — além das leituras, tenho outras duas sugestões. Acompanhe estes projetos e participe dos eventos que eles promovem:

Torus Time Lab

A Torus questiona como as pessoas entendem o tempo e se conectam com ele, individual e coletivamente. Como um laboratório, experimentos e estudos ocorrem em diferentes lugares do mundo enquanto os resultados e aprendizados são compartilhados e discutidos com uma comunidade aberta.

Futuro Possível

Plataforma para pesquisa, tradução e disseminação de narrativas regenerativas sob múltiplas perspectivas e realidades. Por meio de três eixos: conhecimento, cultura e comunicação, seu idealizadores ancoram o processo de tecer narrativas futuras que contribuem para a construção de futuros possíveis e desejáveis para o Planeta Terra reconhecendo agências humanas e não humanas nesse processo de regeneração.

Cada uma destas leituras e projetos é um convite para que a gente se torne um verdadeiro agente da mudança. Como você já deve ter notado, eu acredito demais no poder das micro transformações. Para mim, cada ação individual tem em si potência para se expandir e interferir no entorno.

Pra terminar, só consigo pensar no Ghandi: seja a mudança que você quer ver no mundo!