Um dia de luta e de celebração
Written by Dafne Saqueti: De alma velha e vida efêmera, pesquisadora, estrategista e escritora como caminho para aliviar o peito e articular mudanças.
Dia 17 de maio é uma data bastante importante para nós.
Hoje, comemoramos o Dia Internacional Contra a Homofobia / Dia Internacional Contra a LGBTQIAP+fobia, mas o marco desse dia é por si bastante simbólico, pois, somente em 1990 a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças. Sim, era aí que estávamos até 1990.
E duas réguas podem ser traçadas a partir desta data:
Se, historicamente, 1990 foi quase ontem, para as vivências diárias isso marca mais de 30 anos de luta para que possamos sair da posição marginalizada em que somos colocados. Os tempos mudam, todas as conquistas devem ser celebradas, mas o caminho que ainda temos que percorrer é longo e tortuoso. E, se uma conquista que celebra, hoje, 32 anos é muito recente, quando falamos de transexualidade essa pauta se torna ainda mais aguda, uma vez que só saiu da classificação de transtorno mental em 2018/2019.
Esse dia marca um caminho de luta por direitos básicos e por uma vida de cidadania plena reconhecida perante a sociedade. Mas, é sabido por todos nós, integrantes ou não da comunidade LGBTQIAP+, que por mais que haja uma legislação que contemple questões criminais como a homofobia, os recortes aplicados para sua execução são ainda atravessados por diversos outros valores.
Onde estão as pessoas que podem efetivamente cobrar a execução de seus direitos, qual a cor dessas pessoas, qual o gênero delas, quais os marcadores sociais e locais que habitam? Por mais que se pretenda horizontal, a execução se organiza em outra realidade. Uma realidade em que pessoas em situação de vulnerabilidade sequer podem se direcionar para a busca de seus direitos seja por desconhecê-los, ou por poder sofrer ainda mais retaliação ou silenciamento.
A comunidade LGBTQIAP+ não é, assim como qualquer outra comunidade, uma grande massa amorfa que luta pelas mesmas causas, mas o agrupamento de diversos subgrupos que se ligam por uma busca de direitos e condições de vida digna. Se as realidades são múltiplas e o impacto perante a sociedade são diferentes, as lutas se organizam para trabalhar contra violências específicas que acometem diferentes grupos.
Nossos atos são políticos, não há a possibilidade de um posicionamento neutro e é fundamental que os movimentos sejam articulados e organizados.
Sou, hoje, uma mulher lésbica que vive cercada de determinados privilégios. Posso falar abertamente disso, assumir as causas que se alinham aos meus pensamentos e desejos e posso assim me posicionar de maneira ativa, mas essa não é uma realidade para todos nós. Então, se a voz ressoa minimamente é preciso que ela tenha uma causa e um porquê definido.
Mais do que poder falar disso, posso ter o prazer de direcionar parte dos meus trabalhos a estar alinhada com movimentos que defendam e levantem as bandeiras que acredito. E isso é uma realidade tangível para o meu posicionamento. Até poucos dias atrás estava imersa na pesquisa e criação dos materiais da ONNA aqui do Laboratório Feio, e perceber a preocupação ativa com a busca de visibilidade nos grupos comportamentais levantados é um grande prazer para qualquer estrategista, criador, pesquisador ou executor.
O mundo é plural e é preciso que possamos ser vistos por nossas individualidades, singularidades e para isso a luta por direitos é constante e os movimentos se iniciam onde menos se imagina.
Os trabalhos de base são fundamentais para que seja possível parar para ouvir aqueles que sofrem diferentes opressões e possa então ser possível construir um espaço de segurança e produção conjunta de uma sociedade que abarque e acolha, que dê espaço para o crescimento e para o destaque, para que, então, sejamos vistos como mais do que um mote para campanhas sazonais.
Existir e resistir é fundamental para que possamos construir um lugar onde se é possível viver e ser quem se é.
E, se você chegou até aqui nessa leitura, acredito que posso considerar que tenho mais um aliado para sermos parte dessa mudança.