A FALÁCIA DO FEEDBACK #01: Mitos sobre o trabalho ou mitos sobre como as pessoas se desenvolvem?

Written by Cynthia Hansen é uma mulher de mente inquieta e coração aberto, que busca caminhos para a educação emocional a partir da intersecção entre Filosofia, Psicologia, Ciências Cognitivas e Neurociência e é aficionada por processos de aprendizagem.

Imagem: https://unsplash.com/@nate_dumlao

A excelência não é o inverso do fracasso: nunca se cria um desempenho excelente somente consertando um desempenho ruim. A correção de erros não passa de uma ferramenta para prevenir o fracasso. (Buckingham e Goodall em Nove mitos sobre o trabalhop. 124).

Participo de uma comunidade de aprendizagem incrível sobre Design de Conexões, a KOMUTA, fomentada pelas pessoas igualmente incríveis do Instituto Amuta. Numa das nossas temporadas de estudos, discutindo o amor nas organizações. Uma de nossas leituras foram adaptações de dois capítulos do livro Nove mitos sobre o trabalho, de Marcus Buckinham e Ashley Goodall. Um capítulo trata da falácia do modelo de competências e o outro, da falácia da necessidade de feedback.

Minha reflexão, dividida em três textos (você está lendo o primeiro deles), trata do capítulo sobre a ideia de que as pessoas precisam de feedback e, ao discuti-lo, acabo, indiretamente, atacando, em conjunto, a ideia equivocada tratada no outro capítulo: a noção de que os funcionários mais completos são os melhores.

Que quebra de paradigma, hein? [Se você quiser saber mais a respeito de paradigmas e suas quebras, convido à leitura de ‘A estrutura das revoluções científicas’, de Thomas Khun 😉]

Mas você pode estar se questionando se essa ideia parece assim tão atraente simplesmente por conta de um viés de confirmação, aquela tendência de procurar evidências que confirmem uma hipótese enquanto se deixa de lado evidências que a neguem, como explica Richard Nisbett em Mindware: ferramentas para um pensamento mais eficaz. Meus estudos formais sobre Processos de Aprendizagem e autodirigidos sobre Inteligência Emocional, Ciências Cognitivas e Neurociência sugerem que não!

Minha primeira constatação: pqp! Eu penso igual ao Simon Sinek…

Não, não achei isso bom e, não, eu não tenho nada contra ele (inclusive, adoro o TED talk em que ele explica sobre o golden cicle). Mas olha só a citação do Sinek que os autores o livro trouxeram na página 107:

[…] existe uma forma de atingir seu potencial no local de trabalho: o feedback negativo. […] Depois de todo projeto ou qualquer coisa que faço, sempre pergunto a alguém: ‘O que ficou ruim? Em que posso melhorar? Há espaço para melhorar?’ Cheguei a um ponto em que anseio por isso. […]

Eu sou essa pessoa que não se conforma quando as outras só falam coisas positivas sobre meu trabalho. Meu pensamento sempre é: tá, mas, desse jeito, como é que eu vou melhorar??? Sabe o que é mais irônico? Eu SEI que as pessoas são capazes de melhorar MUITO com ZERO feedback negativo, já estudei isso. Mas veja o que é uma cultura entranhada na carne… Tá aí a lógica distorcida do trabalho duro como única possibilidade de sucesso. Trabalhar duro → receber feedbacks negativos → continuar trabalhando duro para corrigir os próprios erros.

A essa altura você pode estar pensando: “Mas essa mulher deve ser louca, tá criticando o quê? É assim mesmo que tem que acontecer.” Bom, bem vindo ao meu clube! Falando em vida profissional, sempre que faço algo eu espero ansiosamente que alguém possa fazer a gentileza de apontar cada uma das falhas que eu cometi, cada ponto fraco do meu processo. Por consequência, sou uma pessoa que acredita que sempre pode fazer um pouco mais, um pouco melhor, o que não é, de todo, mau, convenhamos. Qual é o problema, afinal? O contexto!

Seja qual for a situação, é preciso permitir que haja oportunidades de sentirmos o prazer de termos dado uma bola dentro sempre que isso acontecer. Teorias da Aprendizagem como as de Lev Vygotsy e Yaacov Hecht mostram isso. O estudo sobre mindset fixo e de crescimento da psicóloga Carol Dweck mostra isso. Um graaande P.S. aqui: não estou falando da ideia esvaziada de mindset de crescimento. Recomendo muito a leitura do livro. Se você quiser apenas um tira-gosto, pode ler esse meu texto AQUI. Já aviso, nele eu afirmo que quem não erra, não aprende, então é importante ler este texto aqui até o fim pra entender melhor o que isso significa.

Recentemente, estudando processos de aprendizagem (sou professora do Ensino Superior faz quase 15 anos), tive a oportunidade de aprender muito sobre a linha tênue que separa estimular crescimento de gerar sensação de fracasso quando se faz necessário fornecer feedbacks — o que, no caso do ensino tradicional acontece SEMPRE, visto que a questão da avaliação do desempenho é inevitável no atual sistema. E tudo o que eu aprendi sobre essa questão converge com os insights oferecidos neste capítulo de livro sobre o qual vim aqui refletir a respeito. O foco do livro todo é trabalho, mas o fato é que no fim — ou, melhor, no começo — é tudo sobre pessoas. Processos, resultados, empresas, tudo isso é secundário em relação ao delicado equilíbrio psicológico e emocional dos seres humanos em quaisquer das suas relações.

Nossa visão de mundo é muito autocentrada e, portanto, cognitivamente enviesada (se quiser conhecer mais sobre nossos vieses cognitivos, leia Mindware!) Os autores de Nove mitos sobre o trabalho citam dois vieses agindo em situações de feedback: um em ataque aos outros (erro fundamental de atribuição) e o outro, em nossa própria defesa (viés-ator-observador).

Enquanto as histórias sobre os outros ficam centradas no jeito de ser, nós somos muito mais generosos ao interpretar nossos próprios atos. Quando se trata de auto atribuições, nosso viés tem sentido inverso, e tendemos a atribuir nosso comportamento a uma situação externa, ao que está acontecendo conosco (p. 110).

Por conta do erro fundamental de atribuição, se alguém faz algo que nos aborrece ou nos incomoda, na mesma hora temos a certeza de que é porque há algo de errado com aquela pessoa. Já, por conta do viés-ator-observador, acreditamos que as pessoas se aborrecem conosco só porque não entenderam a situação que nos forçou a agir daquela maneira. Uma clássica situação de dois pesos e duas medidas, com a balança sempre apontando vantagem para nós mesmos em detrimento dos outros.

Importante frisar: o fato de eu estar dizendo tudo isso não significa que eu saiba me relacionar com os outros num patamar acima destas questões. Mas saber que elas interferem nas minhas ações e julgamentos já me ajuda, em muitos casos (mas não em todos e muito menos sempre).

Como isso se reflete nas relações de trabalho? Mais um trechinho do capítulo (p. 110–111, grifos meus):

Para consertar um problema no desempenho, recorremos instintivamente ao feedback pessoal, em vez de estudar e atacar a situação externa […]. A propósito, se pensarmos bem, grande parte do mundo corporativo é configurada dessa forma — voltada para “aquelas outras pessoas”, gente que precisa de instruções para agir (daí a ênfase no planejamento, e não na inteligência), cujo trabalho tem que ser alinhado (daí as metas, em vez de significado e propósito) e cujos pontos fracos põem em risco a todos nós (daí a ênfase nas deficiências, […], em vez do foco nos talentos singulares).

Estes e ainda vários outros vieses nos limitam muito no quesito ‘olhar objetivo’. Por isso é importante nos esforçarmos em manter uma postura consciente diante dos outros e de nós mesmos. Só que sair deste ciclo vicioso não é fácil. O exercício da postura compassiva diante da alteridade, que é a proposta, por exemplo, da Comunicação Não-Violenta, também conhecida como CNV, é o exercício de uma vida inteira.

Resumo da ópera da CNV e também da tese do capítulo sobre o mito do feedback? Não precisamos de feedback, precisamos de atenção. Mas não precisamos de qualquer tipo de atenção, precisamos de atenção positiva. Se você quiser saber mais sobre como a atenção é capaz de gerar efeitos melhores que o feedback negativo na produtividade das pessoas, leia o segundo texto desta série: A FALÁCIA DO FEEDBACK #02: Não precisamos de feedback, precisamos de atenção. Agora, se você quiser saber o que os autores pensam sobre a prática de dar conselhos, leia o terceiro texto da série: A FALÁCIA DO FEEDBACK #03: Se conselho fosse bom…

MAIS SOBRE A AUTORA:

É publicitária, mãe de pet, professora universitária, mentora e consultora em aprendizagem e planejamento de projetos, Doutora em Ciências da Linguagem e organizadora de eventos. Possui certificações docentes em Pedagogia do Ensino Superior e Formação de Formadores pela Finland University e algumas plantas que, vez ou outra, passam sede.

Além do trabalho na docência e com as mentorias, iniciou um laboratório visando ressignificar as relações na aprendizagem, ajudando pessoas que buscam transformar a si para transformar o mundo — o Heimo Learning Lab — junto com outras mentes que acreditam que é preciso ser humano, inventivo e inquieto para transformar.